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Silvio Almeida diz na ONU que indígenas terão “domínio” de suas terras.

By Jamil Chade

Colunista do UOL

O ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, usou seu primeiro discurso na ONU para tentar acalmar a comunidade internacional e anunciar que o governo está agindo para restabelecer ao povo yanomami “o efetivo domínio das terras indígenas”.

A declaração foi feita no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, nesta segunda-feira, e marcou uma transformação profunda no tom usado pelo Brasil no cenário internacional. No lugar dos discursos de Damares Alves sobre “Deus, pátria e família”, o novo ministro trouxe a proteção dos mais vulneráveis ao centro de sua agenda e prometeu lutar para que o caso de Marielle Franco não fique impune, e tampouco os casos de Bruno Pereira e Dom Phillips.

A fala acontece no momento em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tenta convencer a comunidade internacional que vai agir para garantir a proteção dessa população e diante do dilema sobre como lidar com garimpeiros na região amazônica.

 Para muitos diplomatas estrangeiros, esse pode ser um teste para garantir ao novo governo créditos para ser reconhecido de novo como protagonista no cenário internacional. Não por acaso, de uma forma estratégica, o governo brasileiro ainda escolheu alguns dos pontos de preocupação internacional para mostrar que há uma ruptura real em relação ao que vinha sendo feito.

Sobre o povo yanomami, Silvio Almeida garantiu que o governo não tem “medido esforços para restaurar a dignidade dessas populações e garantir-lhes o efetivo domínio sobre suas terras”. “Os povos indígenas do Brasil, pela primeira vez, têm um ministério próprio, capitaneado por uma liderança indígena. Nenhuma decisão sobre seus direitos será tomada sem sua participação”, disse.

 Em entrevista ao UOL após o discurso, o ministro explicou como acredita que tal recuperação dos territórios poderá ocorrer. “A primeira etapa já está dada. O primeiro passo foi interromper o ciclo de criminalidade e violência, promovendo a desintrusão do garimpo”, afirmou. “Mas um segundo ponto é garantir a presença do estado que não seja apenas na lógica da violência”, afirmou. “Proteger as formas de vida dos povos e tradições e pensar no que faz com que o garimpo tenha tanta capilaridade naquele lugar” disse.

Críticas contra Bolsonaro

 Ao discursar, Silvio Almeida disse que encontrou “um quadro escandaloso de desmonte, negligência e crueldade” deixado pelo governo anterior. Sua fala diante do Conselho marcou uma inflexão importante no posicionamento internacional do Brasil. Se durante o governo de Jair Bolsonaro a ordem era a de recusar qualquer crítica internacional, Silvio Almeida deixa claro que vai romper os pactos da administração anterior e propõe novas alianças.

 O ministro, por exemplo, anunciou que o governo Lula aceitou as recomendações feitas na sabatina realizada pela ONU ao Brasil no final de 2022 sobre a situação do país. Naquele momento, o governo Bolsonaro havia rejeitado algumas propostas. “O novo governo reavaliou as 306 recomendações do último ciclo da Revisão Periódica Universal, a fim de que a nova política nacional de direitos humanos esteja refletida em nossas posturas no plano internacional”, disse. Segundo ele, o país vai implantar um mecanismo de monitoramento destas e de outras recomendações.

 “O Brasil voltou” e campanha eleitoral para 2024

O discurso que inaugura a participação do novo governo brasileiro na ONU também foi a ocasião para que o ministro insistisse que o Brasil e o e o mundo “vivem hoje uma encruzilhada histórica”. “Como viu e sentiu Nelson Mandela, ao tomar posse como presidente da África do Sul, eu também sinto que, para nós, brasileiros e cidadãos de todo o mundo, é chegado “o momento de sarar as feridas.

O momento de transpor os abismos que nos dividem. O momento de construir”. “E é com esse mesmo sentimento que venho hoje neste Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas dizer: O Brasil voltou”, declarou.

O discurso ainda serviu para que o Brasil pedisse o apoio internacional para sua candidatura para voltar ao Conselho de Direitos Humanos para o mandato 2024-2026. “Para tanto, peço o apoio dos países aqui presentes para que possamos contribuir, de maneira renovada, com a promoção e proteção dos direitos humanos, em todos os lugares e para todos os povos”, disse.

A eleição ocorre em outubro e, para as três vagar para a América Latina, quatro países buscam um lugar.

Mulheres recuperam direitos sexuais

Também numa mudança importante no posicionamento do governo, ele anunciou que “as mulheres terão seus direitos sexuais e reprodutivos restabelecidos no Brasil e o SUS voltará a acolher de maneira adequada, e humana, as mulheres vítimas de violência”.

O tema do acesso de mulheres a tais serviços foi um dos pontos de ruptura do Brasil com a comunidade internacional, durante o governo de Jair Bolsonaro. “Aliás, no campo do direito à saúde – tema que o Brasil lidera neste Conselho – voltaremos a ter como base a ciência e daremos novo fôlego à luta antimanicomial, ao enfrentamento ao HIV e à AIDS e à defesa do acesso equânime a medicamentos e vacinas, particularmente no contexto de pandemias como a que nós vivemos”, afirmou.

Críticas às potências

Não faltaram ainda críticas às grandes potências que, ao longo dos anos, têm instrumentalizado o conceito de de direitos humanos para pressionar politicamente regimes que não são aliados. “A seletividade no tratamento e a instrumentalização das pautas dos direitos humanos minam não apenas a credibilidade, mas, sobretudo, a efetividade das instituições internacionais”, alertou o ministro brasileiro, numa sinalização sobre os riscos que correm os órgãos da ONU. “Como em muitas ocasiões na história, os condenados da terra nos advertem: o rei está nu! Ouçamos a essas advertências e não tenhamos medo de construir o novo.

Não tenhamos medo de denunciar os “clubes da humanidade” e construir, com o nosso engenho e suor a verdadeira humanidade comum, que seja fruto da solidariedade na diversidade e jamais da opressão e do silenciamento”, disse.

Marielle, Bruno e Dom Phillips

 Ao longo de seu discurso, o ministro listou as áreas que o novo governo terá de agir para restaurar a política de direitos humanos. Segundo ele, a meta é a de “reconstruir os laços sociais entre os brasileiros e traçar uma política de direitos humanos com ampla participação popular. As dificuldades são muitas”, admitiu.

 Silvio Almeida ainda anunciou: a elaboração do Plano Nacional de Proteção aos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e instituiremos um marco legal para o programa de proteção. Lutar para que “o brutal assassinato de uma promissora política brasileira – mulher negra e corajosa defensora dos direitos humanos, Marielle Franco, não fique impune e grave na memória e no espírito da nossa sociedade a dignidade da luta por justiça”.

Isso também vale para o covarde assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips e de tantos outros defensores de direitos humanos. “Jamais serão esquecidos”, disse Ele também prometeu que o governo não se esqueça dos brasileiros que, “em decorrência de suas posições políticas e atividade acadêmica, tiveram sua integridade física ameaçada e viram-se obrigados a deixar nosso país”. “A estes, expresso minha solidariedade e meu compromisso, na condição de Ministro de Estado, pela construção de um ambiente político livre do ódio e da perseguição”, afirmou.

Novas alianças

 Numa sinalização de uma nova lógica de articulações, Silvio Almeida sugeriu que quatro alianças sejam estabelecidas, depois que o Brasil abandonou os pactos fechados por Bolsonaro com governos ultraconservadores. Uma das novas alianças é para a sobrevivência.

“Um chamado de Davi Koppenawa Yanomami, do coração da Floresta Amazônica, nos adverte que estamos diante da “Queda do céu”. Saibamos ouvir esse chamado e redobrar nossos esforços por modos de vida que nos permitam viver em paz com o nosso planeta”, disse.

 A segunda seria a aliança pela vida decente. Precisamos não só erradicar a pobreza, mas também promover a dignidade do trabalho e do lazer. Mesmo aqueles que se acham privilegiados vivem hoje inseguros e adoecidos por um modo de produzir e distribuir riquezas que não deixa vencedores”, afirmou. A terceira aliança é a aliança pelo direito ao desenvolvimento.

Sua proposta é a de que a perspectiva dos emergentes seja considerada para “reinventar o direito ao desenvolvimento, para que este penetre definitivamente na gramática das lutas populares da periferia do capitalismo”. Por fim, ele propõe a aliança contra o ódio. “Nossos países assistem perplexos à rápida propagação de discursos de ódio baseados no racismo, na xenofobia, no sexismo, na LGBTfobia. A extrema direita e o fascismo crescem e articulam-se por meio de redes que não conhecem fronteiras”, disse. “Façamos com que o amor, a solidariedade e a paz também não conheçam fronteiras. Acreditamos na força da cooperação e do diálogo para fazer valer as promessas da Carta das Nações Unidas”, disse.

Alívio internacional

Ao terminar seu discurso, o ministro foi abordado por representantes de diferentes entidades que, emocionados, não disfarçavam o alívio diante do fim dos discursos bolsonaristas na ONU. No Brasil e em outros locais, a reação ao discurso também foi positiva. “O discurso do ministro é condizente com as mudanças internas, e vem a acalmar a sociedade internacional sobre a situação alarmante no governo anterior”, avaliou Paulo Lugon Arantes, jurista e expert no sistema ONU. “Ele falou tanto para o público brasileiro, citando personalidades brasileiras, como David Kopenawa, como lançou os quatro chamados para a comunidade internacional. Não é apenas a volta do Brasil, mas um Brasil+, com energia renovada”, completou.

Fonte: Uol.

Foto: Violaine Martin/ONU

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