Por Vander Cherri
Advogado e Presidente do ICDH.
Recentemente, o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, em uma clara demonstração de pressão sobre o governo brasileiro, propôs a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. Tal medida, de impacto econômico substancial para o Brasil, não se apresenta como uma ação comercial padrão, mas sim como um instrumento de chantagem, direcionado a forçar o país a anistiar o ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e seus familiares. Essa tentativa de ingerência em questões de justiça interna do Brasil, que deveriam ser tratadas com independência e sob a égide da soberania nacional, revela um cenário de coação internacional com objetivos que transcendem as relações diplomáticas usuais, alinhando-se a interesses políticos específicos e à proteção de figuras com histórico de condutas questionáveis.

Imagem: kalhh/Pixabay
A gravidade da situação reside na explícita tentativa de instrumentalizar o poder econômico e diplomático de uma nação para influenciar o curso da justiça em outra. O Brasil, como nação soberana e independente, não pode, nem deve, submeter-se a pressões externas que visem ditar seus procedimentos legais ou proteger indivíduos acusados de crimes contra a própria democracia e contra o povo brasileiro. A proposta de imposição de tarifas retaliatórias, em um contexto tão delicado, demonstra um viés político inegável por parte do Presidente Trump, que busca, através de meios coercitivos, garantir a impunidade de seus aliados políticos no cenário brasileiro. Essa abordagem, longe de ser uma manifestação de diplomacia ou de cooperação internacional, configura uma clara tentativa de manipulação de processos internos, visando salvaguardar interesses que vão além do bem comum ou da estabilidade regional, focando-se na proteção de figuras políticas específicas.
É fundamental ressaltar que o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus familiares enfrentam acusações e investigações relacionadas a diversas condutas que atentaram contra a democracia brasileira e os direitos dos cidadãos. A exigência de anistia para tais indivíduos, sob a ameaça de sanções econômicas severas, como a tarifação de 50% sobre as exportações brasileiras, expõe a intenção de Donald Trump de intervir diretamente em um processo judicial e político interno do Brasil. Essa ação, portanto, não pode ser vista como uma disputa comercial legítima, mas sim como uma manobra política com o propósito explícito de proteger seus correligionários, ignorando a autonomia e a soberania do Estado brasileiro em julgar e punir crimes cometidos em seu território e contra suas instituições.
A narrativa fática aponta para um cenário onde a política externa de uma nação é utilizada como ferramenta de pressão para influenciar a política interna de outra, em benefício de interesses partidários e pessoais. A decisão de impor tarifas tão elevadas sobre produtos brasileiros, em um momento em que o Brasil busca consolidar sua democracia e garantir a responsabilização de seus ex-gestores, sugere uma estratégia calculada para minar a capacidade do Brasil de agir com independência. A pressão exercida por Donald Trump, portanto, não se enquadra em uma relação de igualdade entre Estados, mas sim em uma demonstração de força com o objetivo de impor uma agenda política específica, que inclui a proteção de figuras políticas que compartilham de suas visões e alianças, em detrimento dos princípios democráticos e da soberania nacional brasileira.
Diante do exposto, fica patente a natureza da interferência externa em questão. A ameaça de sanções econômicas, apresentada como um meio de pressionar o Brasil a conceder anistia a figuras políticas sob investigação por crimes contra a democracia e os brasileiros, revela um padrão de conduta que visa proteger aliados políticos e influenciar o cenário nacional brasileiro. O Brasil, com sua rica história de luta pela soberania e pela autonomia em suas decisões internas, encontra-se em um momento crucial, onde a resistência a tais coações é imperativa para a preservação de seus valores democráticos e de sua independência. A ação de Donald Trump, ao vincular questões comerciais a demandas políticas de caráter pessoal e partidário, demonstra um claro desvio de finalidade e um uso indevido do poder coercitivo, com o intuito de moldar o futuro político brasileiro em benefício de seus interesses.
Da Soberania Nacional e da Não-Intervenção como Pilares das Relações Internacionais
A República Federativa do Brasil, em sua projeção internacional, é norteada por um conjunto de princípios basilares insculpidos no artigo 4º da Constituição Federal de 1988. Dentre estes, a independência nacional e a não-intervenção em assuntos internos de outros Estados erigem-se como baluartes intransponíveis da soberania nacional. A ameaça de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, com o propósito de coagir o governo a anistiar um ex-presidente e seus familiares, configura uma clara violação a tais preceitos. A imposição de sanções econômicas com motivação política, visando à manipulação da soberania decisória de um Estado soberano, é vedada pelo princípio da não-intervenção, que proíbe a interferência em assuntos internos de outras nações.
Ademais, o artigo 17 do Decreto-Lei nº 4.657/1942, que estabelece a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, é explícito ao determinar que leis, atos e sentenças de outros países, bem como quaisquer declarações de vontade, carecerão de eficácia no Brasil caso ofendam a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes. A conduta retaliatória e coercitiva em questão, ao buscar impor uma decisão política interna brasileira sob a égide de uma ameaça econômica, atenta diretamente contra a soberania nacional, tornando tais medidas ineficazes em território pátrio. A República Federativa do Brasil, pautada pela independência nacional e pela não-intervenção, tem o dever de resistir a tais pressões, em conformidade com os ditames constitucionais que regem suas relações exteriores.
Da Prevalência dos Princípios Constitucionais sobre Acordos Comerciais e Medidas Unilaterais
A atuação da República Federativa do Brasil nas relações internacionais, especialmente no que tange ao comércio exterior, deve sempre observar a prevalência dos princípios constitucionais sobre quaisquer acordos ou medidas unilaterais que possam comprometer sua soberania e autodeterminação. Os artigos 116 e 95 do Decreto nº 6.759, que regulamentam a administração aduaneira e o comércio exterior, estabelecem a prevalência do tratamento tributário previsto em acordos internacionais firmados pelo Brasil, a menos que as normas gerais resultem em tributação mais favorável. Contudo, tais dispositivos pressupõem a existência de acordos firmados sob a égide de princípios de reciprocidade e igualdade entre os Estados.
A imposição de tarifas com caráter punitivo e político, desvinculada de práticas comerciais desleais e configurando um ato de chantagem econômica, transcende a lógica dos acordos comerciais e das regras de comércio internacional. Tal medida unilateral, ao visar a proteção de interesses políticos específicos em detrimento da livre circulação de mercadorias e da estabilidade das relações comerciais, pode ser interpretada como uma afronta aos princípios de igualdade entre os Estados e de cooperação para o progresso da humanidade, conforme preconiza o artigo 4º da Constituição Federal. A República Federativa do Brasil, ao se deparar com tal conduta, tem o direito de contestar a legalidade e a legitimidade de tais tarifas, buscando a aplicação de medidas que resguardem a equidade e a legalidade nas relações comerciais internacionais, em consonância com os princípios constitucionais que regem sua política externa.
Da Competência da Jurisdição Federal para Tutelar Direitos Humanos e Relações Internacionais
A proteção dos direitos humanos e a regulação das relações internacionais, quando estas se manifestam em atos com repercussão extraterritorial que afetam a soberania nacional, são matérias de competência inequivocamente atribuídas à Justiça Federal. O artigo 109 da Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu caput e em seu inciso V, a competência da União para processar e julgar causas em que figure como parte, bem como as causas relativas a direitos humanos. Esta competência abrange, de forma explícita, as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional, o que inclui as relações comerciais e as disputas decorrentes de medidas coercitivas.
Neste contexto, a imposição de tarifas com motivação política, visando à proteção de figuras políticas e à influência na política interna brasileira, configura uma violação aos princípios que regem as relações internacionais do Brasil e, de forma intrínseca, aos direitos humanos, na medida em que tais pressões podem comprometer a estabilidade econômica e social do país. A atuação de autoridades estrangeiras que violem os princípios constitucionais de independência nacional, autodeterminação dos povos e não-intervenção pode e deve ser submetida à análise da jurisdição federal brasileira. Ao garantir a aplicação do direito nacional e a proteção dos interesses do Estado e de seus cidadãos, a Justiça Federal assegura a observância dos preceitos constitucionais e a salvaguarda da soberania pátria em face de ingerências externas.
Da Limitação ao Poder de Tributar e a Proteção à Livre Concorrência e à Indústria Nacional
Embora o artigo 150 da Constituição Federal estabeleça as limitações ao poder de tributar dos entes federativos no âmbito interno, os princípios que ele consagra, como a vedação à exigência de tributo sem lei e a proibição de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente, guardam relação com a equidade e a legalidade que devem permear as relações econômicas, inclusive as internacionais. A imposição de tarifas com caráter retaliatório e discriminatório por um Estado estrangeiro, com impacto direto na economia e na indústria brasileira, pode ser analisada sob a ótica da proteção a tais princípios fundamentais. A atuação de um país estrangeiro, ao impor barreiras tarifárias com motivação política, pode ser vista como uma afronta à estabilidade e previsibilidade que devem reger as relações comerciais.
Nesse sentido, o Decreto nº 6.759/2006, que regulamenta a administração aduaneira e o comércio exterior, oferece mecanismos de defesa à indústria doméstica contra práticas desleais, como a aplicação de direitos antidumping e compensatórios, conforme preceituam os artigos 784, 785 e 786 do referido decreto. Tais medidas visam sanar dano ou ameaça de dano à produção nacional. A adoção de tarifas com caráter punitivo e discriminatório, desvinculada de uma análise técnica de práticas comerciais desleais, mas sim de um viés político para proteger figuras específicas, pode ser contestada sob a ótica da proteção ao comércio justo e à indústria nacional, buscando a aplicação de medidas que resguardem a equidade e a legalidade nas relações comerciais internacionais. A República Federativa do Brasil, ao se deparar com tal cenário, tem à sua disposição as ferramentas legais para contestar tais medidas, buscando a salvaguarda de seus interesses econômicos e soberanos.