ICDH

Pai, genitor, padrasto, avô, tio, e suas Crianças — Parte IV

By Ana Maria Iencarelli  

Não é difícil olhar a ineficiência de leis escritas como sendo uma premissa que estimula mais a transgressão do que seu seguimento

Há alguns dias, fui perguntada numa entrevista para rádio e TV aberta, Programa “Gente que Fala”, sobre a melhoria do Brasil no item ‘resposta’ de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Teríamos passado do 13º para o 11º lugar num desses rankings da vergonha. Melhora, aliás, acompanhada do 5º lugar em Feminicídio. Como compreender uma melhoria se a cada dia mata-se mais mulheres, estupra-se mais crianças?

Não é difícil entender que se os casos de abuso sexual foram banidos dos laudos sentenciais de peritos que, partindo de uma acareação entre a Criança e seu agressor/violentador, que concluem sempre que constataram pelo olhômetro dessa acareação que a Criança não foi abusada, conclusão através da visão ocular e, portanto, seguindo a seita reinante, trata-se de atos de alienação parental da mãe. Evidentemente, o número de abusos sexuais foi drasticamente reduzido. Assim, se obtém uma fictícia ‘melhora’ no ranking que mede a resposta a esse problema.

Hoje, compus a Mesa do Seminário: “Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes, em Homenagem à memória de Araceli Crespo e Joanna Marcenal”, no Auditório Nereu Ramos, da Câmara Federal, em Brasília. No evento, escutei e compartilhei conhecimentos empíricos e compilados em dados estatísticos, pronunciado por incansáveis trabalhadores desse combate. Brilhantes, mostraram a convergência de algumas iniciativas públicas, que ainda não podem ser chamadas de políticas públicas. Portanto, o esforço desses trabalhadores não consegue transpor os grandes muros que protegem indivíduos que lucram com o sofrimento de Mães e crianças, aniquilando a infância, promovendo a curva crescente dos Feminicídios.

As injustiças provocadas pela Lei de Alienação Parental que, através da inversão de guarda, abre precedentes para o convívio forçado com agressores (Foto: Reprodução/Sul21)

Araceli, aos oito anos de idade, há 50 anos, foi cruelmente estuprada e torturada até a morte. Os supostos autores foram inocentados. Todos. Só Araceli foi condenada a restar presa para sempre em seu túmulo.

Joanna, aos cinco anos de idade, há quase treze anos, foi entregue, judicialmente, a seu pai sob alegação do termo de alienação parental imputado à mãe, porque a lei de alienação parental foi votada e promulgada 15 dias depois.
Henry, aos quatro anos de idade, há dois anos, teve 23 lesões em seu corpinho, externas e internas, que o levaram a óbito. Morava na casa de seu padrasto e sua mãe. Ensejou com sua tragédia a Lei Henry Borel, que prevê a Responsabilização das pessoas do entorno, família extensa, professores, médicos, etc., nos casos de violência física.

Quênia, aos dois anos de idade, há dois meses, morreu com 59 lesões, distribuídas em menos de um metro do seu pequeno corpo. Lesões de várias idades, recentes e antigas, incluindo evidências de estupros.
A Lei Henry Borel e o ECA, o Código Penal e a Constituição Federal já estavam em vigor. Ela morava com o pai e a madrasta. Estava frequentando a creche, ainda usava fraldas, então, adultos faziam-lhe a higiene e davam-lhe banho. Ninguém viu nenhuma das 59 lesões?

Não é difícil olhar a ineficiência de leis escritas como sendo uma premissa que estimula mais a transgressão do que seu seguimento. Se somarmos os Tratados Internacionais, as Cartas de Direitos Humanos, as Resoluções de Conselhos, temos um número bem grande. Neste tema, por exemplo, é amplamente sabido que a Criança é Sujeito de Direito, que ela deve ser Protegida em sua Vulnerabilidade e Operadores de Justiça lançam mão de práticas de tortura já combatidas e usadas em porões, acreditando em mágicos poderes, para seguir o dogma da alienação parental, subtraindo o crime que é travestido em simples conflito familiar. Onde vamos parar com essa permissão ao incesto?

Curiosamente, para ser delicada, a lei de alienação parental é rigorosa e ininterruptamente aplicada. Em inexplicável malabarismo jurídico, o mesmo objeto que embasa o processo de família, o afastamento do genitor promovido pela mãe, alcunhado de alienação parental, é possuído pelo Estado, através do Sistema de Justiça, que determina o afastamento total da mãe. É o mesmo objeto.

Foi assim que a mãe da Joanna foi afastada, determinação de Juíza. Uma Juíza. Por noventa dias, a mãe foi proibida de ver e até de falar por telefone com a Criança de cinco anos, que pouco tinha convivido com o genitor, ausente por muito tempo. A terminologia foi usada para justificação dessa Privação Materna Judicial letal.

Temos visto aberrações em alegações de alienação parental que retiram bebês lactentes, promovendo o desmame traumático. Até mesmo uma mãe, ainda grávida, foi acusada de alienação parental. A alienação serve para afastar a mãe de Crianças que ainda não adquiriram nem a linguagem, portanto, não compreenderiam a tal ‘campanha’ contra o genitor. O que dizer do bebê ainda em vida intrauterina.

No entanto, Crianças que descrevem, através de palavras, com detalhes, os atos libidinosos praticados em seu corpo pelo genitor. São desconsiderados seus relatos sob a alegação de que não são confiáveis. Parece que a testosterona faz a diferença. Violência institucional e violência de gênero.
E quando um jornal de grande competência, após mais de um ano de investigações, expôs essas atrocidades, uma juíza o retira do ar. Por que será? Uma juíza.
Em tempo, há justos na justiça.


Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos, Colaboradora ICDH.

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