Seguimos usurpando o Direito do Sujeito Criança, não é o que ele está falando, é o psicólogo que em sua “interpretação”, torce e retorce à vontade para dar o resultado da falácia de alienação da mãe.
Parafraseando o título do livro “A invisibilidade de Crianças e Mulheres Vítimas da Perversidade da Lei de Alienação Parental — Pedofilia, Violência e Barbarismo”, organizado pela Dra. Claudia Galiberne Ferreira e pelo Juiz Romano José Enzweiler, e prefaciado pelo Desembargador e Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Ingo Wolfgang Sarlet, livro que reuniu nomes da Justiça, da Medicina Forense, da Psicologia e da Sociologia.
Por que não se consegue escutar uma Criança quando ela relata os abusos sexuais sofridos de um pai, um padrasto, um avô, ou daquele tio “bacana” que adora Crianças? O Relato traz detalhes descritivos de uma sexualidade que ela não conhece, que seu desenvolvimento cognitivo ainda não alcançou a compreensão de gestos, desejos ardentes, secreções que desconhecia. A respiração ofegante, típica da excitação que precede a ejaculação, é imitada com precisão pela Criança. Ela relata que a língua do seu abusador incestuoso entrou em sua boca e empurrou a dela. Ela descreve, meio constrangida pelo medo de não ser acreditada no absurdo que está falando, que a língua daquele agressor, que, aliás, não deixa marca, entrou no meio do bumbum, ou mostra o dedo que penetra fundo do bumbum até doer. Será que ela está mentindo? Será que ela está “repetindo” um texto de sua mãe, aquela alienadora de alta periculosidade?
E como se prova que é mentira? Como se prova que é texto decorado como se robô de call center fosse? Como se prova que ela foi “programada”, e, portanto, precisa ser “reprogramada” por uma psicóloga reprogramadora? Para essas pegadinhas não há exigência de provas materiais, até porque não existe comprovação científica nesse campo inventado pelo médico pedófilo, Gardner. Ele defendia a pedofilia, a zoofilia, os comportamentos escatológicos, como sendo o “esquenta” da sexualidade humana, e afirmava que todos temos esses prazeres, que deveriam ser libertos das regras draconianas da sociedade.
Conseguimos aprovar a Lei 13.431/2017, conhecida como a Lei da Escuta Especial. A Childhood Brasil realizou estudo sério por quatro anos, pesquisando como 26 países lidavam com a escuta de Crianças e Adolescentes vítimas de abusos sexuais. Mas, desde 2017, lutamos para que essa Metodologia elaborada pelo estudo seja aplicada. A insistência por “estudos biopsicossociais”, que torturam a Criança por meses e meses, alguns até anos, para concluir que não houve abuso, que a mãe caluniou o genitor e que portanto a Criança deve ter a guarda invertida ou reduzida para unilateral do pai. Seguimos usurpando o Direito do Sujeito Criança, não é o que ele está falando, é o psicólogo que em sua “interpretação”, torce e retorce à vontade para dar o resultado da falácia de alienação da mãe. Não precisa comprovar nada. O Psicólogo disse. E ele dá a punição da mãe, faz presságios horrorosos se não forem seguidas suas orientações. Sentença pronta. E quem discordar dos psicólogos da alienação dogmática, esses não alcançam nenhuma credibilidade. Aqui há um problema: ausência total de contraditório. Como a mulher/mãe é louca, é ressentida, é interesseira por dinheiro, ela é alienadora, todas, e não pode chegar perto do filho, da filha. Já falei aqui em outro artigo, a mãe que foi apenada por crime de tráfico, de roubo ou assalto, ou de homicídio, tem a convivência com seus filhos, garantida pelo Marco Legal da 1ª Infância. A mãe que é alcunhada como “alienadora” tem a convivência com seus filhos bloqueada, como se ela fosse fazer picadinho da Criança. Aqui, o Marco Legal da 1ª Infância não contempla a Criança, que fica sem mãe porque revelou os abusos do pai e foi entregue a ele.
Será que conseguimos dimensionar o estrago que é praticado sob os auspícios da lei de alienação parental? A perversidade dessa lei já chegou em 2010 com sangue nas mãos. Joanna Marcenal foi a 1ª vítima letal dessa lei. Sua mãe, foi acusada de alienação parental, alguns meses antes do PL ser votado. Joanna morreu em estado semelhante ao de Henry, 15 dias antes da lei ser comemorada por pais que não cumprem sua função de pai. Não por acaso, até hoje, 2023, o Ministério Público não levou a Júri quem deveria ser responsabilizado.
Para amarrar com um nó cego, é afirmado que a prática de alienação parental pode ocorrer durante a gestação, com o bebê lactante, ou, pior, pode ser inconsciente. Sem saída. Ou seja, a mãe não sabe que está fazendo alienação, mas ela está, inconscientemente. E, portanto, ela precisa ser afastada do filho ou filha. Desconhecimento total do conceito de Inconsciente proposto por Freud em sua Teoria Psicanalista. E, como punir alguém por uma suposição de desejo inconsciente. Escrevi e vou repetir. É como se eu tivesse um desejo inconsciente de matar um vizinho incômodo, esse desejo fosse descoberto, magicamente, por um juiz, induzido por uma psicóloga que interpretou um desabafo de irritação qualquer como sendo desejo inconsciente de matar, e então eu tenho que ser condenada a algumas dezenas de aprisionamento. Isso teria alguma lógica?
Como a Lei da Escuta Especial, 13.431/2017, traz em sua Metodologia a troca da inquirição pelo acolhimento, e tem o cuidado de proteger a criança e Adolescente da revitimização causada pela exaustão da repetição da mesma pergunta — “tem certeza que foi assim, era só um carinho” — ou — “isso é coisa que os homens fazem entre eles, é normal, mas você fez errado porque contou pra sua mãe, não pode contar nada nem pra ela nem pra sua avó”, essa Metodologia tem um Registro em vídeo e áudio. Isso dá mais trabalho para “interpretar” imagens e palavras indubitáveis, que ficam gravadas. Encontramos hoje, em pleno Rio de Janeiro uma senhora que abriu uma campanha aberta contra a Lei da Escuta Especial, explicitada e publicitada por ela mesma, uma dita operadora de justiça que goza de total prestígio nesse meio, afirmando que esse método científico é prejudicial às Crianças e Adolescentes. Como assim? Acolher prejudica? Escutar prejudica? Registrar com fidedignidade prejudica? Evitar levar a vítima à exaustão com as repetidas avaliações interpretativas do verbo da Criança, prejudica?
Gardner recomenda em seu livro que a Criança que denuncia abuso do pai deve ser levada à exaustão com intermináveis “avaliações” porque isso fará com que ela desista. Essa tática é eficaz, sim para o adoecimento psíquico. Resta a desistência, a negação e a retratação, se duvidando de si mesmo, e enlouquecendo.
Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos, colaboradora do ICDH.