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Alienação parental, pedofilia, violência e barbarismo, a perversidade – Parte IV

*By Ana Maria Iencarelli

Negligência, Imperícia e Imprudência. Esses três fatores, usados com frequência como parâmetros para apontar um erro médico, ou um erro de cálculo estrutural, também se aplicam aos erros sentenciais nas Varas de Família, cometidos por indução de técnicos em laudos, como me afirmou a Comissionada Esmeralda Arrosemena, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), ou por desvio de propósito do próprio operador de justiça, seguidor do dogma da falácia da alienação parental.

Quando uma denúncia de abuso sexual intrafamiliar e/ou de violência doméstica chega ao Ministério Público, a instrução de todos os advogados do agressor, em conjunto com os operadores de justiça, é a acusação na Vara de Família, que já acreditam no preconceito, no prejulgamento, na sentença de que é a mãe que é louca e, por ressentimento pelo fim do casamento, faz a Criança decorar as cenas dos abusos. O que ninguém explica é como uma Criança relata por palavras, por desenhos, por encenações de brincadeiras. Todas essas modalidades de comunicação vêm banhadas de emoção, de mudanças súbitas, de expressão de medo, de recolhimento, de agitação psicomotora, enfim, comportamentos que evidenciam a ansiedade e angústia do Estresse Pós-traumático.

Não é razoável que uma questão traumática, agressão física e/ou abuso sexual, as duas violências específicas, classificadas como sendo a Exposição ao Extremo Estresse, já estudado por pesquisadores que encontraram uma correlação entre essas violências continuadas, praticadas por pessoa que a Criança ama e obedece, sejam evaporadas quando chegam aos caminhos torturantes judiciais.

Existem coisas ininteligíveis nessa saga, que anunciam desastres, de repetidas “crônicas de uma morte anunciada”. Mas, são muitas mortes. Crianças pedem ajuda, se constrangem para relatar as torturas sexuais ou de espancamento a que são submetidas, e se deparam com aberrações sem nenhum senso crítico, e menos ainda técnico, que tem como objetivo retirar a mãe da vida da Criança.

Caminhamos para a contabilização das nefastas sequelas de Crianças, que são amputadas em seu desenvolvimento psicológico, sem volta. É paradoxal a ambivalência do Conselho Nacional de Justiça que comemora cada turma “especializada” em alienação parental, e firma posição do lugar essencial da mãe na 1ª Infância da Criança. Ou seja, o reconhecimento da importância da mãe habita o mesmo espaço das tarjas pretas de mãe alienadora de bebês que ainda estavam sendo amamentados, promovendo o Desmame Traumático e a Privação Materna Judicial. Só lembrando que esse termo “alienação parental” é uma invenção da pseudociência, sem comprovação científica. Mas exerce uma atração mágica, como se dogmática fosse.

As incongruências não param por aí. Quando nos deparamos com o caso do menino de 12 anos que é obrigado pela psicóloga judicial a uma acareação com seu abusador, desrespeitando o estado emocional que o acomete ao ver a figura de seu genitor agressor na tela do computador. Ao escutar o relato pormenorizado das atrocidades sexuais a que era submetido pelo pai, a Douta Psicóloga o repreende, dizendo que essas são coisas normais que os homens fazem entre si. E que ele fez errado quando contava para a mãe, isso é que ele não podia deixar acontecer. Os abusos sexuais aberrantes, não. No laudo frauda a descrição de um relacionamento ótimo entre pai e filho que teria presenciado ali, durante a entrevista. Nem reparou que o menino teve afrouxamento esfincteriano pela presença do pai na sala e que sequer olhou para ele. Medo. Pânico. Mas isso parece não ser importante para a “profissional de notório saber”. Por que desqualificar a voz da Criança? Por que não considerar a materialidade da voz da Criança?

Uma sentença foi dada entregando a Guarda Unilateral da pequena Quênia ao pai e à madrasta, quando ela tinha três meses de idade. Lactente. Não teve o Direito ao Aleitamento Materno. Motivo: o pai se negou a pagar a Pensão alimentícia para a bebê. Aos dois anos — um ano e nove meses — depois disso, Quênia é assassinada com mais de 50 lesões de maus-tratos pelo seu pequeno corpo, incluindo lesões de estupro sexual. Qual seria a sustentação dessa decisão judicial? Uma lactente de três meses retirada da mãe por causa da negação de pagamento de sua pensão, garantida por lei. Por quê? Qual o real motivo?

Esta semana fomos inundados pela notícia de uma menina de 12 anos que havia desaparecido no Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, e foi encontrada e resgatada em São Luís do Maranhão. Um aliciamento que durava uns dois anos pela internet. O rapaz pagou R$ 4.000,00 num carro de aplicativo para levá-los do Rio a São Luís. Ele, 25 anos, trabalha num açougue. Chegou com documentos falsos para ela, já tinha o carro ou deu sorte e pediu na hora um carro de aplicativo para a viagem até o Maranhão. Mas, veio de avião até o Rio.

Um apartamento quarto e sala os esperava. Era o cativeiro. Confiscou o celular dela e lhe entregou um aparelho bem simples que ele controlava.
Temos aí crimes em série: aliciamento, corrupção de menor, sequestro, cárcere privado, tortura psicológica, estupro de vulnerável. Mas não é possível se esconder atrás da ingenuidade de pensar que os crimes terminam aí. Esse rapaz, açougueiro, 25 anos, tinha o sonho de guardar essa princesa só para ele no seu castelo?

O incompreensível é que esse suspeito (?) de tantos crimes tenha sido levado à delegacia, prestado depoimento e liberado com a justificativa que “não oferece perigo” (sic). Liberado. Recebi há algum tempo um Certificado de Jornalismo Investigativo, pela Associação Nacional e Internacional de Imprensa (ANI). Com meus preliminares conhecimentos, e longa experiência na investigação da Psiquê Humana, já perdi minha ingenuidade. Quem pagou o avião, quem pagou o carro, quem pagou o apartamento, quem treinou o rapaz, e, somando esses gastos, que não são todos, qual o valor programado que a menina renderia? Qual a organização por trás? É óbvio que não daria para essa farra toda um salário de açougueiro, mesmo que fosse o dono do açougue.

Mas a pergunta é: por que afirmar que ele não oferece perigo? Isso tudo que ele fez não foram perigos executados? Os exemplos são infinitos. A Negligência, a Imperícia e a Imprudência estão nesses atos que garantem ao pai abusador visto pelo magistrado como ilibado, a fama de certos “peritos” que interpretam abusos sexuais atrozes como “coisas normais entre homens” (sic). Ou quando afirmam que uma pessoa que cometeu uma sequência de crimes, muito bem planejados, “não oferece perigo” (sic).

*Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos, colaboradora do ICDH.

Rio de Janeiro – Protesto na praia de Copacabana lembra morte há um ano da menina Maria Eduarda, e de outras 46 crianças vítimas da violência nos últimos 11 anos (Fernando Frazão/Agência Brasil)

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