Chuvas: Dito e feito, tudo foi dito e nada foi feito.
Josias de Souza*
Em 2022, pelo menos 457 pessoas morreram em desastres causados pelas chuvas no Brasil, informou a Confederação Nacional de Municípios. Alheio à mortandade, Bolsonaro passou na lâmina 94% do orçamento federal para projetos de contenção de encostas em 2023. Caiu de irrisórios R$ 53,9 milhões para insignificantes R$ 2,7 milhões. Lula usou parte de sua PEC da Transição para vitaminar a rubrica. Subiu para R$ 156,7 milhões —uma cifra ainda insatisfatória para atender os 9,5 milhões de brasileiros que moram em áreas sujeitas a deslizamentos e alagamentos, segundo o IBGE.
Num instante em que continuam no topo da memória nacional os cadáveres das enchentes no Sul da Bahia, em Minas Gerais, no interior de São Paulo e na Região Serrana do Rio de Janeiro, o brasileiro olha para o litoral norte de São Paulo com a incômoda sensação de que assiste à repetição de um filme de terror. Um filme feito de tempestade, lama, destruição, desamparo e mais dezenas de corpos. As autoridades sobrevoam o drama munidas do kit básico de primeiros socorros. Nele, há desculpas esfarrapadas, verbas emergenciais insuficientes e as lamentações depois do fato.
No essencial, não há muita dúvida quanto ao diagnóstico e à terapia. A ocupação crescente e desordenada de encostas e beiradas de rio constituem um flerte permanente com novos desastres. Municípios, estados e governo federal precisam agir de forma coordenada. Convém concluir obras de contenção inacabadas, investir em sistemas tecnológicos de acompanhamento do clima, aperfeiçoar os planos de alerta em situações de emergência e valorizar a Defesa Civil. É imperioso implementar programas habitacionais que ofereçam teto seguro a quem foi empurrado para as zonas de risco.
De resto, deve-se abandonar por pressão o negacionismo climático que alguns terraplanistas ainda cultivam por opção. Tornou-se incontornável agir para refrear mudanças climáticas que elevam a temperatura global, potencializando as tragédias. Sob Bolsonaro, cortavam-se verbas da Defesa Civil e liberavam-se emendas secretas do centrão. Sob Lula, destinam-se R$ 156,7 milhões para a contenção de encostas e R$ 3 bilhões para Arthur Lira distribuir a deputados novatos.
Com a contagem dos mortos do litoral paulista ainda em curso, o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), atribuiu ao excesso de chuvas a “maior tragédia da história da cidade”. Alegou que houve um trabalho preventivo, com a limpeza de galerias pluviais e monitoramento das áreas de risco. O problema, segundo o prefeito, foi o “dilúvio”. Com tanta chuva, disse ele, não há prevenção que dê jeito. Quer dizer: culpa integral do Todo-Poderoso. Nesse contexto, o brasileiro observa a cena, lembra das palavras que lhe encharcaram a paciência em enchentes anteriores e conclui: Dito e feito. Como de hábito, tudo foi dito e nada foi feito.
*Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na “Folha de S.Paulo” (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro “A História Real” (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de “Os Papéis Secretos do Exército”.
Colunista do UOL
20/02/2023 06h04
Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2023/02/20/chuvas-dito-e-feito-tudo-foi-dito-e-nada-foi-feito.htm