ICDH

ACESSIBILIDADE DA PESSOA IDOSA COMO DIREITO HUMANO

By Íris Brandão Carvalho Miranda – Colaboradora ICDH

               Com o envelhecimento da população mundial, o tema dos direitos humanos da pessoa idosa ganha cada vez mais destaque. O assunto afeta principalmente países com desenvolvimento tardio como o Brasil, demandando mais das políticas públicas que viabilizem a efetivação desses direitos.

               A Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU foi um dos primeiros documentos internacionais a se preocupar com os direitos humanos da pessoa idosa. O art. 25 do mencionado diploma traz o direito de todos a um nível de vida que assegure saúde e bem-estar, principalmente quanto à alimentação, vestuário, alojamento, assistência médica e serviços sociais necessários, inclusive com a segurança de mantença desses direitos em momentos de vulnerabilidade como a velhice[1].

               A Constituição Federal brasileira de 1988 traz em seu art. 3º, inciso IV, que o Estado tem o dever de garantir o bem de todos sem preconceito de idade[2]. Neste prisma, o legislador infraconstitucional brasileiro traz no art. 9º do Estatuto da Pessoa Idosa, lei nº. 10.741/2003, a obrigação do Estado de garantir aos idosos proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas públicas que permitam o envelhecimento saudável e em condições dignas[3].

               O direito humano à acessibilidade é uma das principais preocupações envolvendo pessoas idosas, ter livre acesso a espaços públicos e privados faz parte do direito ao envelhecimento digno. Mais do que isso, garantir às pessoas idosas acesso a espaços públicos em condições de igualdade é uma forma de garantir também direito à cidadania e à participação social.

               Sob a ótica dos direitos humanos, pessoas idosas são consideradas parte de um grupo vulnerável, o que significa dizer que possuem todos os direitos fundamentais que pessoas em geral têm e mais alguns em decorrência dessa vulnerabilidade.

               Quando falamos em acessibilidade, é imperioso reforçar que pessoas idosas possuem direito à liberdade e nele está compreendida a faculdade de ir e vir em espaços públicos. O art. 10 do Estatuto da Pessoa Idosa reforça esse direito. Por outro lado, a falta de acessibilidade em espaços públicos viola o direito à liberdade.

               Porém, cumpre ressaltar que o direito à acessibilidade vai muito além dos espaços físicos, pois ela é o instrumento para o exercício de muitos outros direitos. Com o avanço da idade, ocorre o declínio de funções motoras e sensoriais, o que prejudica o acesso à informação e à comunicação. Consequentemente, mais do que uma barreira de segregação social, a inexistência ou insuficiência de acessibilidade é também um impedimento ao exercício de vários outros direitos.

               Recentemente, a sociedade teve um grande exemplo do impacto da falta de acessibilidade à pessoa idosa no exercício de direitos fundamentais. A pandemia da COVID-19 condicionou diversos serviços ao uso da tecnologia. Serviços bancários e até mesmo cadastro governamentais de benefícios demandam um conhecimento tecnológico que acaba por dificultar ou até impedir o acesso de idosos. Com o processo digital e a informatização do Poder Judiciário, até mesmo o acesso à justiça vem sendo prejudicado.

               O art. 230 da Constituição Federal de 1988 traz a responsabilidade do Estado, da sociedade e da família de amparar o idoso e assegura sua participação social, defendendo sua dignidade, bem-estar e direito à vida.

Aliás, segundo a referida Constituição, a acessibilidade é a garantia de acesso adequado, nos espaços públicos e privados, às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Em outras palavras, a Carta Magna condiciona que, na construção de novos espaços, deve se pensar nas condições de acesso para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

Idosos fazem parte do grupo de pessoas com mobilidade reduzida, sendo pessoa com deficiência ou não. Isso não estava expressamente previsto na legislação até 2015, quando a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, lei nº. 13.146/2015, modificou o inciso IV do art. 2º da lei nº. 10.098/2000 para trazer um conceito de mobilidade reduzida expressamente envolvendo idosos.

Antes dessa modificação, havia dúvidas sobre quem compunha o grupo de pessoas com mobilidade reduzida porque a definição anterior era muito genérica[4]. Essa modificação legislativa que incluiu expressamente idosos nesse grupo vulnerável implica na obrigatoriedade de que políticas públicas de acessibilidade sejam também criadas e implementadas pensando nas pessoas idosas.

O grande problema é que políticas públicas de acessibilidade demandam uma postura ativa do Estado e, em alguns casos, podem até mesmo onerar os cofres públicos, razão pela qual acabam sendo de lenta criação e efetivação.

Em contrapartida, no plano internacional já existem normas bastante enfáticas sobre o assunto dentro dos Sistemas de Direitos Humanos. Por exemplo, a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos traz em seu art. 26 que os idosos têm direito à acessibilidade ao entorno físico, social, econômico e cultural e à mobilidade pessoal, inclusive afirmando que os Estados-parte adotarão de maneira progressiva medidas para assegurar esse acesso do idoso com igualdade de condições a serviços e instalações públicos[5].

Vale lembrar que o Brasil, embora tenha assinado essa Convenção, ainda não a ratificou, o que significa que já se comprometeu internacionalmente a cumpri-la, mas que ainda falta o trâmite previsto na legislação interna para que ela possa ser invocada no âmbito nacional. Aliás, se for aprovada pelo rito previsto no §3º do art. 5º da Constituição Federal, essa Convenção gozará do mesmo status de uma emenda constitucional.

Enquanto isso, embora o assunto venha sendo bastante destacado e debatido no Brasil, bem como já haja previsão legislativa, ainda há pouca efetividade prática do direito à acessibilidade da pessoa idosa. Mesmo a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT ainda não traz todos os parâmetros necessários de acessibilidade voltados especialmente para idosos.

A Organização Mundial da Saúde – OMS colocou essa até 2030 como a década do “Envelhecimento Saudável”, trazendo a necessidade de melhorar a mobilidade e acessibilidade da população mais velha, nisso incluindo a urgente prevenção de quedas. Estima-se que até em 2050 o Brasil será um dos países com maior número de idosos no mundo e é notório que não está se preparando para promover a acessibilidade adequada para tanto.[6]

Além disso, é importante destacar ainda que faz parte do direito à acessibilidade o atendimento em igualdade de condições no plano consumerista. Estabelecimentos comerciais e empresas privadas precisam estar preparados para atender pessoas idosas em igualdade de condições tanto no espaço físico quanto na prestação do serviço ou nas condições de uso do produto. É dever do Poder Público impor tal conduta aos fornecedores como vértice da garantia de acessibilidade aos idosos.

Muitas pessoas desconhecem que a acessibilidade da pessoa idosa em igualdade de condições é um direito humano assegurado legalmente no plano nacional e internacional. A importância disso precisa ser destacada e políticas públicas que efetivem esse direito precisam ser cobradas do Poder Público em todas as esferas.

*Íris Brandão Carvalho Miranda

Advogada, especialista em Direito Processual e em Direitos Humanos, membro da Comissão

Estadual de Direitos Humanos da OAB/MG e da Comissão de Direitos Humanos da Subseção da

OAB de Alfenas-MG, voluntária do Instituto de Cidadania e Direitos Humanos – ICDH Brasil.


[1] ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal de Direitos Humanos. Disponível em: < https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos >

2 BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso em: fev. 2023.

[3] __Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 7 dez. 1998. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm > Acesso em: fev. 2023.

[4] In verbis: “…a que temporária ou permanentemente tem limitada a sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo”.

[5] OEA. Organização dos Estados Americanos. Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos. Disponível em: < https://www.ampid.org.br/v1/wp-content/uploads/2014/08/conven%C3%A7%C3%A3o-interamericana-sobre-a-prote%C3%A7%C3%A3o-dos-direitos-humanos-dos-idosos-OEA.pdf > Acesso em: fev. 2023.

[6] OMS. Organização Mundial de Saúde. Disponível em: < https://www.who.int/pt > Acesso em: fev. 2023

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